quinta-feira, 3 de abril de 2008

Palavras gastas...




Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!

Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,

no tempo em que o teu corpo era um aquário,

no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.


Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar. Dentro de ti
Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.


Eugénio de Andrade

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